Na Bahia, nossa casa, o sagrado se mistura com o profano, em homenagem aos padroeiros que arrastam multidões ao longo dos séculos. Datas festivas como o dia de São Sebastião, celebrada em diversas cidades do nosso estado, que merece destaque no BAMIN em Ação desta semana, segundo da nossa série especial em homenagem às tradições baianas. Um convite aos nossos leitores a conhecerem um pouco mais sobre a identidade histórico-cultural de nossas cidades. Boa leitura!
Foto: Divulgação
São Sebastião de Guirapá | A festa do povo
Na pacata Pindaí, distrito de Guirapá, no Sudoeste da Bahia, todos os anos as homenagens a São Sebastião sacodem a cidade, em festejos que duram uma semana. Desde a tradicional alvorada no dia 11 ao final da tarde de 20 de janeiro – dia do santo –, centenas de fiéis participam de novenário, procissão e missa organizada pela paróquia da cidade.
Além da programação da igreja, o evento inclui apresentações de diversos artistas e show pirotécnico, sendo o mais importante do calendário municipal. As ruas são decoradas com bandeirolas e outros adereços para a comemoração do São Sebastião de Guirapá. Barraquinhas trazem o melhor da gastronomia local. Aos moradores da cidade, juntam-se visitantes de várias partes. Pindaienses que moram fora retornam à terra natal para celebrar a data, que também tem transmissão ao vivo no Facebook da Paróquia de Pindaí.
A grandiosidade da festa se justifica na história, que remete ao Século XIX. Segundo moradores centenários de Pindaí, lá se passaram mais de 160 anos desde a primeira edição da festa. “São Sebastião é bem antigo”, confirma Dona Eulina da Conceição de Carvalho, nascida em 1920. Ela é coautora do Hino de São Sebastião, junto com Raimunda Moreira, já falecida. “Em sua glória e louvor / Cantamos todos unidos / Este hino cheio de amor”, cantarola.
Embora ninguém saiba precisar ao certo como tudo começou, devido à falta de registros, os relatos são de que o pagamento de uma promessa feita por um habitante da remota Fazenda Umburanas, em Caetité, resultou na construção de uma capela em homenagem ao santo na região.
Inicialmente os festejos eram realizados por locais, um costume passado entre famílias, até uma maior estruturação da igreja, que assumiria a organização. Atualmente, o que se costuma dizer na região sobre a tradicional data é que ela é bem mais do que uma homenagem religiosa, sendo a festa do povo de Guirapá.
Foto: Clodoaldo Ribeiro
Lavagem das Escadarias da Catedral de São Sebastião, em Ilhéus | Respeito à diversidade religiosa
Quebrando à direita no mapa, no Sudeste da Bahia, em Ilhéus, as homenagens a São Sebastião foram inspiradas no sincretismo religioso da famosa Lavagem do Bonfim de Salvador. A história tem início na primeira metade do Século XX, após um grupo de estivadores ilheenses participarem da festa na capital baiana. No retorno à cidade natal, decidiram render homenagens ao santo, que é o padroeiro do Sindicato da Estiva de Ilhéus.
Na época, Ilhéus ainda vivia do rico ciclo do cacau, período próspero para a Estiva. Os trabalhadores do Porto então convidaram para a realização da festa a yalorixá Dona Roxa, do Terreiro Matamba Tombenci Neto, um dos mais antigos do estado, atualmente com 140 anos de existência. Outras lideranças religiosas do período, como o pai de santo Pedro Farias, se uniram à organização do evento. Tanto Mãe Roxa quanto Pai Pedro já são falecidos.
Desde a sua primeira edição, a festa acontece de forma harmônica. Começa na concentração, às 9h, em frente ao Sindicato da Estiva, localizado na Dois de Julho, avenida onde antigamente funcionava a feira livre da cidade. Na forma de cortejo, com duração de cerca de duas horas, centenas de pessoas se unem a baianas de terreiros, blocos afros e grupos de capoeira, seguindo até a Catedral de São Sebastião, no Centro Histórico. Tem até o “Guarda Embaixo”, bloco da Estiva com marchinhas e instrumentos de sopro. Depois, os participantes retornam às imediações do sindicato para curtir um tradicional samba de roda.
“No início, se lavava até dentro da igreja, depois é que se restringiu às escadas”, conta o produtor cultural e presidente da Organização Gongombira de Cultura e Cidadania, Marinho Rodrigues. De família de estivadores e neto de Mãe Roxa, ele participa da Lavagem desde o seu nascimento, em 1966. “Até a minha adolescência, ainda existia o desfile das carroças, que eram enfeitadas para a ocasião. Cheguei a desfilar nelas, quando meu pai era presidente da Associação de Carroceiros”, lembra, saudosista.
Com a chegada da vassoura-de-bruxa e as dificuldades enfrentadas pelas fazendas de cacau, a Estiva, que era a principal patrocinadora da festa, perdeu força e, com ela, a Lavagem. “Por alguns anos, a data deixou de ser celebrada, mas estamos resgatando e este ano será muito bonita”, garante Marinho.
“Esse resgate é muito importante para nós, fazedores de cultura e povo de terreiro, mantermos a tradição”, comemora Pai Toninho, líder religioso do Terreiro Ylê Axé Ballomi.
Dentre os municípios que permeiam a área de atuação da BAMIN, o Dia de São Sebastião ainda é comemorado em Barra do Rocha, Ibiassucê, Brumado e Tanhaçu.